Era uma daquelas noites, tediosas... E mesmo assim esse não era o problema. Pela janela do quarto - que ficava no primeiro andar, no sótão -, a janela que aponta direto para o céu, mostrava apenas uma escuridão nublada, com uma só estrela a brilhar. Sua mãe já havia trazido biscoitos e chocolate quente. O senhor Castor – na época, ‘não senhor’ - não podia reclamar. Mas seu amigo, O pequeno Coelho, tinha problemas, sérios problemas, podia-se dizer...
- Como assim, sente-se vazio?!
Disse, tão surpreso que pensava ter soado com tom de desprezo.
- Não sei, eu tenho muito, muito do que podia sonhar ter, melhor, muito do que preciso ter... Mas falta algo, algo que necessito!
Disse o pequeno coelho.
Eram jovens, daqui a alguns anos seriam da turma dos meninos mais velhos, e prometeram jamais se separarem, não mesmo, como poderiam?! Seria horrível. Afinal haviam feito a promessa de serem amigos para sempre. E uma promessa dessas não se quebra, definitivamente, por Deus, não! Por Deus...
- Espere!
Correu e vasculhou apressadamente em sua gaveta onde guardava seus preciosos tesouros.
- Aqui! Vou resolver tudo!
Derramou uma caixa de Giz de cera, que havia ganhado de presente de um amigo, e um papel bonito de textura envelhecida. Seus olhos pareciam esperançosos, algo dizia que podia realmente ajudá-lo dessa vez, como já houvera feito antes.
- O que vai fazer?
Disse ele, finalmente, com um olhar enigmático, mas pouco expressivo, só o mesmo rosto triste. Pensou consigo: talvez nem mesmo você possa me ajudar dessa vez.
- Com isso posso desenhar tudo que precise!
- Mas serão “apenas” desenhos.
- Não, são promessas! E promessas têm que se cumprirem.
- Verdade...
Abriu um sorriso de canto, e admirou o amigo; como era importante pra ele, e ele sabia que a recíproca era verdadeira.
- Quando você se sentir triste desenho o que mais te fizer feliz, quando você precisar de algo, desenho da melhor forma possível. Desenho um Castelo pra gente fugir pra lá, podemos viajar, não é incrível?! Posso te dar qualquer coisa...
- Bom... Desde que tenha papel e giz de cera suficiente, então não seja ambicioso.
Os dois riram por um tempo com a idéia. E sorrisos sempre ajudam a sarar feridas. Então já era um começo, mas não era tão simples.
Quando os sorrisos cessaram, ficaram por um tempo calados, deitaram-se no chão, um imitando o outro, olhando através da janela, com braços e pernas abertos, cabeças juntas, como numa imagem de espelho. Admiraram o céu juntos, mas o silêncio foi interrompido:
- Desenhe Deus pra mim...
Disse, com os olhos úmidos e tristes, tentando um sorriso de canto, muito forçado.
- Nossa!
Ficou estremecido com a idéia, como desenhar algo assim? Como? E faltaram palavras. Mas não podia abandoná-lo, não agora, nunca! Mas especialmente agora, quando ele já se sente assim, e ainda mais por “quem”...
O castor levantou lentamente, e apoiou seu queixo sobre a mão com os cotovelos contra o chão, meio deitado agora; fixou-se nos olhos de seu amigo, ainda não sabia o que dizer, o que fazer, e ficaram se olhando. Pensou;
- Espere...
Disse mais uma vez, não tão entusiasmado como antes, mas ainda assim esperançoso. Levantou e foi dessa vez às prateleiras, naquelas paredes brancas com verde claro, do seu quarto, que o prenderam
- Pronto, pegue, é pra você!
E deu um sorriso acolhedor para o amigo que continuava a olhá-lo sem entender muito bem o que acontecia.
- Isso é Deus? Desculpe, Não entendi.
- Não... Não exatamente. É impossível pra mim, desenhá-lo.
- Então, o que é?
- São como rios!
- Como assim, rios?
- É assim... Imagine que esses são rios cheios de suas memórias, cada um numa linha de tempo.
- Bom...
Interrompendo-o Falou:
- Apenas imagine... Tudo bem?!
- Entendi!
Fechou os olhos como pediu o amigo, e se esforçou ao Maximo pra acompanhar suas idéias.
- Agora veja! Ta transbordando, em sua vida, com todas as suas ações, com tudo que passou, e das encrencas que escapou, e muitas nos metemos e que escapamos, confesso!
Riram rapidamente...
- É incrível! Acho que consigo ver tudo, digo; lembrar-me de tudo.
Disse um tanto mais animado.
- Pronto. Deixe-me ver...
(procurou as palavras)
- Ah sim! Em cada momento, cada um deles, por mais singelo, por mais grave ou perigoso, ele esteve sempre com você. Por que haveria de ir justo agora?
- Entendo, mas não sei, não consigo sentir, esse é o problema!
- Esse é o problema!
Disse com o mesmo tom.
- Ta me imitando?
- Não, só quero dizer que não precisamos realmente sentir, as vezes basta saber, basta ver! Entende?!
- Sim! Mas...
Após uma longa pausa:
- Vamos dormir?! Já ta muito tarde. Sua mãe logo virá ver se estamos dormindo.
Agora seus olhos estavam secos, e ele parecia um tanto satisfeito. O Castor o conhecia, decidiu não insistir mais. Foram dormir.
Após algum tempo em silêncio, Levantou o amigo Coelho e foi à janela; o céu, já estava estrelado e com uma fatia de lua, muito linda, a iluminar. O Castor o seguiu e ficou a olhar ao seu lado. Subitamente o amigo deu-lhe um abraço, tão rápido e apertado, que assustou um pouco ao ‘senhor’ Castor:
- Obrigado! Isso vai passar...
Disse ao ouvido, o pequeno Coelho, num som abafado pelo pano da camisa no ombro do Senhor Castor.
- “ELE” vai “voltar”. Lembre-se; desenhos são promessas, e com as pinturas não é diferente.
- Eu sei, agora eu sei! Afinal, promessas têm que se cumprirem, não é?
E voltaram a dormir; calmamente, aquela seria uma longa estação, que sem duvidas estaria a mergulhar e nadar em alguns rios coloridos, dentro do mundo daqueles dois.
(ƒrєıтαร dє Góıร)
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